A microextração líquido-líquido dispersiva (DLLME, do inglês, Dispersive Liquid-Liquid Microextraction) foi descrita pela primeira vez em 2006 por Rezaee e colaboradores, consistindo na utilização de dois solventes orgânicos no processo de extração. O primeiro, conhecido como solvente dispersor, deve ser miscível na amostra (fase aquosa) e no solvente extrator (fase orgânica). O segundo, o solvente extrator, deve ser imiscível na fase aquosa e deve reter os analitos de interesse. Os dois solventes podem ser adicionados separadamente ou em conjunto, porém, a adição deve ser realizada rapidamente, com auxílio de uma seringa, permitindo a dispersão da fase orgânica no formato de microgotas, que serão dispersas na fase aquosa com alta área superficial de troca, garantindo uma extração eficaz com alto fator de concentração dos analitos no solvente extrator. Por ser uma técnica miniaturizada, a DLLME apresenta diversas vantagens, como a utilização de pequenos volumes de amostras e solventes, baixo custo e tempo reduzido, corroborando os princípios da Toxicologia Analítica Verde (do inglês, Green Analytical Toxicology, GAT).
A técnica de mancha de sangue seco em papel (DBS, do inglês, Dried Blood Spot) é considerada de microamostragem, uma vez que utiliza pequenos volumes de sangue (até 50 µL) para a sua realização. Utilizado para a análise de erros inatos do metabolismo (“teste do pezinho”) desde a década de 50, o DBS tem sido utilizado para outras análises, como no monitoramento terapêutico de fármacos e análises toxicológicas, por exemplo. Somado a vantagem do pouco volume de amostra necessário para a coleta, é possível ainda citar a redução no custo de armazenamento e transporte, devido a possibilidade de otimização do espaço de armazenamento, além da possibilidade de automatização do processo de extração e análise. Ainda, muitos analitos apresentam uma maior estabilidade quando armazenados com essa técnica. A coleta de DBS pode ser feita em papel de filtro adequado ou dispositivos específicos disponíveis no mercado, que variam quanto ao local de coleta ou volume de amostra obtido. Após secagem da amostra (3h), a mesma pode ser armazenada, transportada ou analisada quali- ou quantitativamente. Diferentes valores de hematócrito são um fator de grande influência na técnica.
O método QuEChERS (do inglês, Quick, Easy, Cheap, Effective, Rugged, and Safe) é uma técnica inovadora de preparação de amostras para análises químicas, inicialmente aplicada em alimentos e produtos agrícolas, e agora também eficaz no processamento de amostras biológicas. Adaptado do método QuEChERS tradicional, o micro-QuEChERS foi desenvolvido para maximizar a eficiência em laboratórios com alta demanda analítica, minimizando o uso de solventes e reagentes. O micro-QuEChERS envolve duas etapas principais: uma extração assistida por salting out, na qual é promovido um equilíbrio entre uma camada aquosa e uma orgânica, seguida por uma limpeza através de extração em fase sólida dispersiva (d-SPE). Esta etapa utiliza várias combinações de sorventes porosos e sais para remover substâncias interferentes da matriz. Entre suas principais vantagens, o micro-QuEChERS requer baixos volumes de solventes orgânicos e amostras. Além disso, é um procedimento econômico, rápido e simples, tornando-se um método crucial para a preparação de amostras na toxicologia forense. A extração eficaz dos analitos e a remoção de interferentes garantem resultados confiáveis e reprodutíveis, reduzindo custos e minimizando o impacto ambiental.
A Microextração por Sorvente Empacotado (MEPS, do inglês, Microextraction by Packed Sorbent) é um tipo de microextração em fase sólida, com diversas vantagens, como o uso de pequenos volumes de amostra e solventes, a possibilidade de automatização, e a redução do custo da análise quando comparada à extração convencional em fase sólida. Na MEPS, o sorvente é fixado em uma agulha, no interior de uma seringa, permitindo a extração automática durante os ciclos de extração e ejeção da amostra. As etapas de condicionamento, carregamento, lavagem e eluição são necessárias e devem ser otimizadas para garantir a recuperação máxima do analito e/ou evitar a transferência com sorvente reutilizável.
A toxicologia clínica é uma especialidade da área da saúde dedicada ao estudo, suporte diagnóstico e tratamento de intoxicações causadas por diversos agentes exógenos, como substâncias químicas, medicamentos, drogas de abuso, venenos e outros agentes tóxicos. A equipe multiprofissional atuante desta área pode ser composta por médicos, enfermeiros, farmacêuticos e biomédicos, por exemplo, sendo todos capacitados para fornecer uma abordagem multidisciplinar no manejo aos pacientes intoxicados. Além do suporte direto aos pacientes, os toxicologistas desempenham um papel fundamental na prevenção de intoxicações, educando a população sobre os riscos associados ao uso inadequado de substâncias químicas e medicamentos e, promovendo práticas seguras no manuseio de produtos tóxicos.
O sangue post-mortem é uma amostra biológica valiosa na área forense. Após a morte, o sangue passa por diversas alterações, como coagulação e decomposição, mas ainda pode fornecer informações cruciais sobre o estado do organismo antes do óbito. Utilizada tanto para análises toxicológicas quanto bioquímicas, a coleta do sangue post-mortem geralmente é feita de locais específicos, como o coração, grandes vasos sanguíneos ou cavidades corporais, para minimizar a contaminação e degradação. Esses locais são escolhidos para garantir a melhor qualidade da amostra possível. Análises toxicológicas do sangue post-mortem podem detectar a presença de drogas, álcool, fármacos e outras substâncias, ajudando a identificar causas de morte suspeitas ou confirmar diagnósticos preliminares. Entretanto, a interpretação dos resultados deve levar em consideração as mudanças que ocorrem após a morte, como redistribuição de drogas e degradação de compostos. A compreensão desses processos é fundamental para evitar erros e garantir a precisão das conclusões forenses uma vez que fornece dados para determinação da causa e das circunstâncias da morte, contribuindo significativamente para investigações criminais e diagnósticos médicos post-mortem.
As Novas Substâncias Psicoativas (NSPs), são substâncias ou misturas de substâncias psicoativas produzidas em laboratórios clandestinos, por síntese química a partir de substâncias precursoras encontradas ou não na natureza. Podem ser sintetizadas por pequenas modificações na estrutura de moléculas que já possuam atividade biológica conhecida. Estas substâncias proporcionam ao usuário efeitos semelhantes aos produzidos pelas drogas de abuso “tradicionais”, porém sem a classificação de substância ilícita ou controladas internacionalmente. O termo “novas” não se refere necessariamente a substâncias recém inventadas, uma vez que muitas delas foram sintetizadas pela primeira vez a mais de 40 anos. De acordo com a UNODC, são consideradas NSP as substâncias psicoativas usadas como drogas de abuso atualmente (representando ameaça à saúde pública) e que não são controladas pela Convenção Única de Entorpecentes (1961) ou pela Convenção de Substâncias Psicotrópicas (1971). Estas drogas podem ser vendidas sem restrição em diversos locais, como lojas de conveniência, tabacarias e online. Grande parte das intoxicações envolvendo essas substâncias se deve ao desconhecimento do usuário da substância utilizada. Isso porque usualmente a apresentação dessas substâncias é a mesma das drogas de abuso convencionais – comprimidos, cápsulas, selos – e, muitas vezes, são vendidas como se fossem essas substâncias.
A avaliação da toxicidade de substâncias químicas é realizada à luz de diversos parâmetros, dentre os quais a descrição dos processos relacionados ao seu metabolismo é fundamental para o entendimento de seus mecanismos de ação, desenvolvimento de métodos para diagnóstico de intoxicações e a proposição de antídotos. O processo de metabolismo contribui para a diminuição da concentração endógena de uma determinada substância, promovendo alterações em sua estrutura química, produzindo espécies conhecidas como metabólitos. Nesse sentido, métodos para avaliação do metabolismo de substâncias químicas podem se basear em modelos in vitro e in vivo, de forma que ambos apresentam suas vantagens e desvantagens. Através destes estudos, é possível não apenas descrever a estrutura molecular de metabólitos, mas também propor parâmetros como tempo de meia-vida de eliminação, clearance intrínseco e outros parâmetros cinéticos. Nosso grupo tem desenvolvido estudos de metabolismo principalmente voltados a descrição das propriedades toxicocinéticas das Novas Substâncias Psicoativas (NSP), empregando modelos in vitro de microssomas hepáticos obtidos a partir de espécies como rato, camundongo e humano, e modelos in vivo utilizando zebrafish.
O fluido oral é uma matriz biológica alternativa que oferece diversas possibilidades nas análises toxicológicas. Este fluido é uma mistura complexa de secreções das glândulas salivares, células epiteliais, microorganismos e seus produtos metabólicos. Além de sua função essencial na digestão e lubrificação oral, o fluido oral é um meio diagnóstico promissor devido à sua fácil coleta e ao conteúdo informativo que fornece. A análise do fluido oral permite a detecção de diversas substâncias, incluindo drogas ilícitas, medicamentos, álcool e outros compostos químicos. No nosso laboratório, estamos focados em explorar o potencial do fluido oral para desenvolver novas ferramentas de diagnóstico toxicológico. As vantagens do fluido oral, como a coleta não invasiva e a possibilidade de detecção rápida e precisa de substâncias, tornam-no uma alternativa eficiente aos métodos tradicionais.
A Cannabis medicinal está emergindo como uma alternativa terapêutica promissora para uma variedade de condições médicas complexas e de difícil tratamento. A planta é composta por mais de 500 compostos, incluindo canabinoides, alcaloides, flavonoides e terpenoides, cujas concentrações podem variar de acordo com fatores geográficos e climáticos. Dentre os compostos presentes na planta da Cannabis, os canabinoides têm recebido destaque devido aos seus efeitos farmacológicos significativos no corpo humano, atuando por meio do sistema endocanabinoide. Os canabinoides mais estudados incluem o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol). Pesquisas indicam que a Cannabis medicinal pode ser eficaz no tratamento de uma variedade de condições, como epilepsia, dor crônica, distúrbios do sono, ansiedade, esclerose múltipla, doença de Parkinson e no auxílio ao tratamento de sintomas associados ao câncer, como náuseas e perda de apetite. Embora ainda haja muito a ser compreendido sobre os efeitos e o uso seguro da Cannabis medicinal, seu crescente reconhecimento como uma opção terapêutica válida está impulsionando a pesquisa e a regulamentação em todo o mundo. O interesse contínuo nessa área promete abrir novas perspectivas para o tratamento de diversas condições médicas, oferecendo esperança para pacientes em busca de alternativas eficazes e seguras.
Drogas de abuso é um termo utilizado para um conjunto de substâncias consumidas sem a prescrição de um profissional capacitado (de forma não-médica), e que atuam no sistema nervoso alterando pensamentos, emoções e comportamento. Uma droga de abuso pode ser natural ou sintética, e pode ser utilizada por diferentes motivos: busca de sensação de euforia, aliviar tensão, ansiedade ou dor, para se sentir pertencente a um grupo, livrar-se de frustações, entre outros. As drogas de abuso frequentemente são organizadas em categorias, são elas: - Depressoras de Sistema Nervoso Central (SNC), como álcool e opioides; - Estimulantes de SNC, como nicotina e cocaína; - Alucinógenas, como LSD e mescalina; - Perturbadores de SNC, como a maconha; - Drogas de ação mista, como o ecstasy. No geral, qualquer droga pode gerar dependência, comportamento biológico caracterizado por compulsão e forte desejo pelo consumo da substância. A dependência da substância muitas vezes tem relação com seu potencial de abuso, que é sua capacidade de gerar administração repetida, e se relaciona com fatores do próprio indivíduo (ambientais, sociais) e características da própria droga.
O cabelo é uma matriz biológica complexa composta por queratina, água, lipídeos e minerais. Ele é dividido em três camadas: cutícula (externa), córtex (intermediária) e medula (interna). Além de proteger a cabeça dos raios solares, o cabelo possui a capacidade de incorporar substâncias consumidas pelo indivíduo ao longo do tempo, durante o seu crescimento. A incorporação das substâncias no cabelo pode ocorrer por difusão passiva do sangue para o folículo capilar durante a fase de crescimento, ou por secreções das glândulas sudoríparas e sebáceas. Isso permite uma análise detalhada e retrospectiva do consumo de drogas, sendo útil em várias áreas da toxicologia forense, como a investigação de crimes facilitados por drogas e mortes relacionadas ao uso de substâncias. No laboratório, realizamos análises em cabelo para a detecção de drogas de abuso em diferentes contextos, a análise de substâncias psicoativas em amostras de vítimas de suicídio é um exemplo de nossas linhas de pesquisa. A principal vantagem do cabelo como matriz biológica é sua ampla janela de detecção, que pode fornecer evidências de exposição crônica, cobrindo semanas ou até meses. Além disso, apresenta estabilidade das substâncias, facilidade de armazenamento e transporte e a coleta é fácil e não invasiva.
A garantia da qualidade é um conjunto de ações que visa assegurar a confiabilidade de um produto ou serviço. É uma área ampla e sistemática, contemplando todas as etapas de um processo, incluindo os requisitos gerenciais, requisitos da gestão da qualidade e gestão laboratorial. O principal objetivo é o alcance dos padrões de qualidade previamente estabelecidos para o produto ou serviço. A obtenção desses padrões é possível através da padronização de processos e atendimento aos requisitos de normas nacionais e internacionais. A norma de qualidade usualmente aplicada a área de toxicologia é a norma ABNT NBR ISO IEC 17025, da qual possui reconhecimento internacional e padrões elevados de qualidade como rastreabilidade metrológica e garantia da validade de resultados. A implementação de um sistema de gestão da qualidade é essencial para o alcance dos objetivos da garantia da qualidade, atribuindo ao serviço ou produto um padrão incontestável.
As drogas facilitadoras de crimes sexuais (DFSA) são substâncias psicoativas (SPA) que alteram a percepção da vítima, tornando-a vulnerável e incapaz de se defender da agressão sexual. No Brasil, esse crime é popularmente conhecido como "Boa noite, Cinderela". A administração da SPA pode ser voluntária, quando a vítima usa a substância e o agressor se aproveita, ou involuntária, quando o agressor induz a ingestão. Para passarem despercebidas, as substâncias usadas em DFSA são tipicamente insípidas e inodoras, depressoras do Sistema Nervoso Central (SNC), dissolvem-se facilmente em bebidas, possuem ação rápida, são eficazes em doses baixas e têm meia-vida plasmática curta, produzindo efeitos como sedação, relaxamento muscular, confusão, tontura, amnésia anterógrada e perda de consciência. Diversos medicamentos de venda livre ou sob prescrição médica possuem essas características. Benzodiazepínicos, hipnóticos não-benzodiazepínicos (como zolpidem e zopiclona), anestésicos, opioides, antidepressivos, relaxantes musculares e anti-histamínicos são exemplos comuns. O uso combinado com etanol frequentemente potencializa o efeito depressor do SNC. Além dos depressores do SNC, outras SPA, como cocaína, Δ9-tetrahidrocanabinol e anfetamínicos, também podem diminuir a inibição e/ou capacidade de raciocínio da vítima. Mais de 50 medicamentos são conhecidos pelo uso em DFSA, e novos medicamentos são constantemente identificados.
O uso do zebrafish (Danio rerio) como modelo in vivo para ensaios toxicológicos aumentou nos últimos anos devido às diversas vantagens sobre outros modelos. O zebrafish possui pequeno tamanho corporal, altas taxas reprodutivas, transparência óptica em embriões e larvas, desenvolvimento embrionário externo e rápido, semelhança genética com humanos, baixo custo, potencial para análises de alto rendimento e baixo consumo da substância de interesse no estudo. Adicionalmente, o zebrafish provou ser valioso para estudar respostas complexas às drogas de abuso, incluindo sensibilização, tolerância, abstinência e recaída. Por meio do uso de embriões, larvas e animais adultos como modelos de estudo, nosso grupo tem estudado respostas agudas frente à exposição às Novas Substâncias Psicoativas, bem como estudos de metabolismo e comportamento.
A redução de danos é um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os riscos e danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias psicoativas. É uma abordagem pragmática baseada na compreensão de que muitas pessoas seguem usando drogas apesar dos esforços empreendidos para prevenir o início ou o uso contínuo. Além da falta de acesso à informação e ao cuidado em saúde, um dos principais riscos que os usuários de substâncias ilícitas enfrentam é a incerteza sobre a sua composição. Nesse sentido, uma estratégia de redução de danos que vem sendo amplamente utilizada é a testagem de substâncias ou drug checking. Trata-se de uma intervenção de saúde pública desenvolvida em diversos países que permite que usuários de substâncias tenham suas drogas analisadas quimicamente, recebam informações e aconselhamento. Essa abordagem tem se mostrado eficaz na prevenção de intoxicações e no monitoramento do mercado ilícito, incluindo o surgimento de NSP. Assim, essa linha de pesquisa busca explorar a interface entre a toxicologia e a saúde pública a partir da abordagem da redução de danos e como ela pode contribuir para os desafios relacionados às tendências emergentes sobre drogas no Brasil.
A exposição de organismos vivos a substâncias químicas, tais como drogas de abuso, deflagram alterações moleculares associadas a seus mecanismos de ação, tecidos-alvo, intensidade e tempo de contato com o toxicante. Métodos capazes de avaliar a ampla diversidade de biomoléculas encontradas nos mais variados meios biológicos necessitam de equipamentos altamente sensíveis e seletivos, além de estratégias estatísticas multivariadas. Nesse sentido, o uso de abordagens ômicas, tais como a metabolômica e a lipidômica, permite a identificação e quantificação de moléculas endógenas associadas à exposição de substâncias químicas, estados patológicos, modificações de condições ambientais e nutricionais. Em se tratando da avaliação da toxicidade de drogas de abuso utilizando abordagens ômicas, possibilita-se a proposição de biomarcadores de exposição e intoxicação, bem como o entendimento dos mecanismos relacionados às suas toxicidades. Nosso grupo tem realizado estudos voltados a avaliações metabolômicas e lipidômicas de organismos expostos a drogas de abuso, utilizando diversas matrizes biológicas. Também colaboramos com outros grupos de pesquisa, desenvolvendo análises metabolômicas voltadas à elucidação da fisiopatologia de doenças e a avaliação da eficácia terapêutica de novos fármacos.
Laboratório de Toxicologia Analítica
FCM/UNICAMP